domingo, 27 de setembro de 2009

CRUZEIRO (1724)


1 comentário:

  1. Desmaiada lua,
    não me escondas
    o rosto até à cinza,
    dá-me a sonhar
    derradeiro abraço.
    -
    Árvores magríssimas,
    arranhões, furor, crueza;
    impossível cantar senão
    após árdua jornada.
    -
    Que não esqueço
    aqueles amigos desconhecidos:
    Vieram cá a casa fazer um telefonema
    a uma hora a que os cafés fechavam.
    Que queriam pagar.
    E entraram, e saíram; entraram, e saíram.
    Mas arrecadem lá os trocadinhos!
    -
    Sei tanto sítio onde vermo-nos,
    porque ante o mesmo portão,
    as mesmas canções ausência,
    os muros, onde crianças
    vadias grafitam a palavra PIÃO
    com as letras ao contrário: OÃIP,
    brincadeiras da incomunicabilidade,
    um trabalho que cansa antes de ser-se,
    inúmeras barracas no horizonte abismado,
    portadas, janelas, brancuras mar,
    aborrecedores holofotes.
    -
    Um fim de tarde
    na praia
    uma mulher
    falou-lhe,
    o cântaro
    descansado
    na anca,
    a exagerar a postura
    tristemente.
    Uma ideia
    às vezes atormenta.
    -
    Lembrar-te a rua,
    percorridas pedras,
    borboletas ziguezagueantes.
    -
    Estrada fora
    trauteava
    Granados,
    plangente solo.
    Era bom
    ter tempo livre,
    não ter que pensar.
    Que mais queria?
    -
    Entre sonido e álcool
    tanto nada.
    Tal Ruy, terreno poeta amável,
    sofro imenso tempo gasto.
    Pareça embora absurdo,
    gosta-se do tempo gasto.
    Uma saudade,
    um chamamento
    para lonjura,
    montanha, ar,
    lua, ribeira.
    -
    Corre o vento,
    e vem até aqui.
    Corre o vento,
    e fica dentro em mim.
    Bem podes correr,
    vento da não aventura.
    Bem podes anunciar-me o lugar.
    Pois aqui sopras,
    à precária estadia.
    Abro-te todas as portas,
    ar que a vida me dá.
    Nenhum obstáculo te detém.
    Transportas-me, nuvem, à praça onde sonho.
    Lá a casa me frequentas, aragem destes instantes.
    Vento dos ligeiros sustos,
    pudesses tu escrever meu último poema.
    Que longes varres agora, verdadeira liberdade?
    -
    Ínclito demandante do Graal,
    quando voltarão - pó, revoada -
    alas, e frentes - tuas hostes?
    De um antiquíssimo subterrâneo,
    sonho névoa manhã, reergas -
    uno e muitos - O Portugal.
    -
    Tarde sentada,
    folheiam-se lentos
    in-fólios amarelentos.
    -
    Sei a estrelinha
    a que acedi
    na infância.
    Sei a palavra
    que me deste a dar,
    polpa e fruto.
    Construo
    confiante
    o poema
    submerso
    por zunzum
    fluente.
    -
    Sussurro divino
    através da tenra erva,
    estrelas
    dando-se-nos
    espelhos,
    somos
    O
    Corpo
    Glorioso,
    a deixarmos
    preencherem-se
    desertos.

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