Desmaiada lua, não me escondas o rosto até à cinza, dá-me a sonhar derradeiro abraço. - Árvores magríssimas, arranhões, furor, crueza; impossível cantar senão após árdua jornada. - Que não esqueço aqueles amigos desconhecidos: Vieram cá a casa fazer um telefonema a uma hora a que os cafés fechavam. Que queriam pagar. E entraram, e saíram; entraram, e saíram. Mas arrecadem lá os trocadinhos! - Sei tanto sítio onde vermo-nos, porque ante o mesmo portão, as mesmas canções ausência, os muros, onde crianças vadias grafitam a palavra PIÃO com as letras ao contrário: OÃIP, brincadeiras da incomunicabilidade, um trabalho que cansa antes de ser-se, inúmeras barracas no horizonte abismado, portadas, janelas, brancuras mar, aborrecedores holofotes. - Um fim de tarde na praia uma mulher falou-lhe, o cântaro descansado na anca, a exagerar a postura tristemente. Uma ideia às vezes atormenta. - Lembrar-te a rua, percorridas pedras, borboletas ziguezagueantes. - Estrada fora trauteava Granados, plangente solo. Era bom ter tempo livre, não ter que pensar. Que mais queria? - Entre sonido e álcool tanto nada. Tal Ruy, terreno poeta amável, sofro imenso tempo gasto. Pareça embora absurdo, gosta-se do tempo gasto. Uma saudade, um chamamento para lonjura, montanha, ar, lua, ribeira. - Corre o vento, e vem até aqui. Corre o vento, e fica dentro em mim. Bem podes correr, vento da não aventura. Bem podes anunciar-me o lugar. Pois aqui sopras, à precária estadia. Abro-te todas as portas, ar que a vida me dá. Nenhum obstáculo te detém. Transportas-me, nuvem, à praça onde sonho. Lá a casa me frequentas, aragem destes instantes. Vento dos ligeiros sustos, pudesses tu escrever meu último poema. Que longes varres agora, verdadeira liberdade? - Ínclito demandante do Graal, quando voltarão - pó, revoada - alas, e frentes - tuas hostes? De um antiquíssimo subterrâneo, sonho névoa manhã, reergas - uno e muitos - O Portugal. - Tarde sentada, folheiam-se lentos in-fólios amarelentos. - Sei a estrelinha a que acedi na infância. Sei a palavra que me deste a dar, polpa e fruto. Construo confiante o poema submerso por zunzum fluente. - Sussurro divino através da tenra erva, estrelas dando-se-nos espelhos, somos O Corpo Glorioso, a deixarmos preencherem-se desertos.
Desmaiada lua,
ResponderEliminarnão me escondas
o rosto até à cinza,
dá-me a sonhar
derradeiro abraço.
-
Árvores magríssimas,
arranhões, furor, crueza;
impossível cantar senão
após árdua jornada.
-
Que não esqueço
aqueles amigos desconhecidos:
Vieram cá a casa fazer um telefonema
a uma hora a que os cafés fechavam.
Que queriam pagar.
E entraram, e saíram; entraram, e saíram.
Mas arrecadem lá os trocadinhos!
-
Sei tanto sítio onde vermo-nos,
porque ante o mesmo portão,
as mesmas canções ausência,
os muros, onde crianças
vadias grafitam a palavra PIÃO
com as letras ao contrário: OÃIP,
brincadeiras da incomunicabilidade,
um trabalho que cansa antes de ser-se,
inúmeras barracas no horizonte abismado,
portadas, janelas, brancuras mar,
aborrecedores holofotes.
-
Um fim de tarde
na praia
uma mulher
falou-lhe,
o cântaro
descansado
na anca,
a exagerar a postura
tristemente.
Uma ideia
às vezes atormenta.
-
Lembrar-te a rua,
percorridas pedras,
borboletas ziguezagueantes.
-
Estrada fora
trauteava
Granados,
plangente solo.
Era bom
ter tempo livre,
não ter que pensar.
Que mais queria?
-
Entre sonido e álcool
tanto nada.
Tal Ruy, terreno poeta amável,
sofro imenso tempo gasto.
Pareça embora absurdo,
gosta-se do tempo gasto.
Uma saudade,
um chamamento
para lonjura,
montanha, ar,
lua, ribeira.
-
Corre o vento,
e vem até aqui.
Corre o vento,
e fica dentro em mim.
Bem podes correr,
vento da não aventura.
Bem podes anunciar-me o lugar.
Pois aqui sopras,
à precária estadia.
Abro-te todas as portas,
ar que a vida me dá.
Nenhum obstáculo te detém.
Transportas-me, nuvem, à praça onde sonho.
Lá a casa me frequentas, aragem destes instantes.
Vento dos ligeiros sustos,
pudesses tu escrever meu último poema.
Que longes varres agora, verdadeira liberdade?
-
Ínclito demandante do Graal,
quando voltarão - pó, revoada -
alas, e frentes - tuas hostes?
De um antiquíssimo subterrâneo,
sonho névoa manhã, reergas -
uno e muitos - O Portugal.
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Tarde sentada,
folheiam-se lentos
in-fólios amarelentos.
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Sei a estrelinha
a que acedi
na infância.
Sei a palavra
que me deste a dar,
polpa e fruto.
Construo
confiante
o poema
submerso
por zunzum
fluente.
-
Sussurro divino
através da tenra erva,
estrelas
dando-se-nos
espelhos,
somos
O
Corpo
Glorioso,
a deixarmos
preencherem-se
desertos.